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Porto do Capim representa a história viva da cidade de João Pessoa

Caminhar pelas ruas do Porto do Capim, no bairro Varadouro, é uma verdadeira viagem no tempo que remonta ao período da fundação da cidade de João Pessoa em 1585, há 440 anos, sendo a terceira capital mais antiga do Brasil. Neste dia 5 de agosto, aniversário da cidade, diversas edificações antigas, construídas às margens do Rio Sanhauá, um afluente do Rio Paraíba, fazem parte do cenário do Centro Histórico de João Pessoa.

Na época, a cidade chamava-se ‘Nossa Senhora das Neves’. Posteriormente, passando a ser denominada de ‘Filipéia de Nossa Senhora das Neves’, ‘Frederikstadt’, ‘Parahyba do Norte’, e, apenas em 1930, João Pessoa. A capital paraibana ganhou sua nomenclatura atual por decisão da Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB), em homenagem ao então presidente do estado, o advogado e político paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, assassinado no mesmo ano pelo jornalista João Dantas, na cidade do Recife.

Na época, João Pessoa era candidato a vice-presidente da República, na chapa de Getúlio Vargas, pela Aliança Liberal, contra Júlio Prestes. Sua morte teve grande impacto na política brasileira, um dos fatores que desencadeou a Revolução de 1930 e motivou a homenagem.

O homem que deu nome à cidade de João Pessoa nasceu no município de Umbuzeiro, na região do Agreste do Estado da Paraíba. Fazia parte de uma família oligarca, sobrinho de Epitácio Pessoa, que também foi chefe político do estado. Ainda jovem foi morar no Rio Janeiro onde chegou ao cargo de Ministro do Superior Tribunal Militar, cargo que ocupava, quando foi chamado, por Epitácio Pessoa, para ser Presidente da Paraíba (cargo que representa atualmente o governador).

Segundo a professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação de História da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ariane Sá, a ocupação portuguesa tinha uma lógica baseada na produção colonial, que era rural e agrária, entretanto, o controle da produção era urbano. Cidades/vilas coloniais deveriam atender à seguinte lógica: Ter centro administrativo, sede dos agentes do poder metropolitano e ser um ponto de intermediação de mercadorias produzidas pela economia agropastoril.

“No caso de João Pessoa, por uma questão estratégica, a cidade nasceu às margens do Rio Sanhauá, favorável à defesa contra os nativos e os estrangeiros. A cidade nasce no Varadouro – onde foi edificado um forte, um atracadouro para embarcações e a capela de Nossa Senhora das Neves. A ligação entre ambos faz surgir a primeira via de acesso, onde em 1710 é instalada a Casa da Pólvora. Seguindo a construção edificada da Basílica de Nossa Senhora das Neves, surge a primeira rua – Rua Nova (atual General Osório), onde foram instalados a Câmara Municipal e o açougue e, depois, a Rua Direita (atual Duque de Caxias)”, explicou.

Durante o período colonial a Praça Rio Branco, conhecida como o Largo do Erário, funcionava como um centro administrativo. “Nesse espaço estavam localizados o Erário Público, a Câmara Municipal, a cadeia, o mercado público, os Correios e a casa do Capitão-mor. Era um espaço de convivência onde ocorriam pronunciamentos oficiais e o comércio”, disse. Hoje segue sendo uma área de convívio social com a realização do projeto musical ‘Sabadinho Bom’, promovido pela Prefeitura todos os sábados.

A historiadora também chamou atenção para a questão religiosa. “Havia também certa lógica religiosa na definição espacial na cidade, principalmente no que diz respeito à área que corresponde ao que os historiadores denominam de quadrilátero, determinado pela construção das ordens que aqui se instalaram – Franciscanos (o Convento e a Igreja de São Francisco); no outro extremo, o Convento dos Jesuítas e a Igreja de São Gonçalo; no outro quadrante, os carmelitas (Igreja do Carmo – Praça Dom Adauto) e os beneditinos (Igreja de São Bento)”.

Os crescimentos populacional e econômico da cidade foram forjados em função do comércio, pesca e da agricultura fortalecidos em função da construção do Porto do Capim, um importante porto fluvial instalado principalmente para promover o escoamento da produção de açúcar. Com a construção do Porto de Cabedelo, em 1935, a área do Porto do Capim experimentou um declínio econômico. A comunidade ribeirinha seguiu com a atividade artesanal de pesca e comercialização, o que promoveu o crescimento populacional da comunidade ribeirinha, que fincou suas raízes no local ao longo de muitas gerações.

Revitalização – Nos dias atuais, a comunidade é composta por aproximadamente 500 famílias. O projeto de urbanização da região faz parte da implementação do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), na modalidade ‘Periferia Viva – Urbanização de Favelas’ do Ministério das Cidades, com um investimento previsto de mais de R$ 100 milhões, com contrapartida da Prefeitura de João Pessoa de R$ 7 milhões.

O projeto envolve diversas frentes de trabalho que buscam preservar as riquezas patrimoniais históricas e da comunidade local. Para ampliar o diálogo com os moradores foi criado o ‘Plantão Social’, formado por engenheiros, técnicos sociais e arquitetos, orientados a esclarecer dúvidas e coletar sugestões para, na medida do possível, serem incorporadas ao projeto original.

O projeto do Porto do Capim prevê mudanças em toda a infraestrutura do bairro, desde a parte viária, saneamento, drenagem, iluminação pública e habitação com planejamento que visa a relocação de famílias residentes em áreas de risco, construção e melhorias de moradias e pontos comerciais, além da revitalização de prédios históricos tombados pelo patrimônio. O projeto foi anunciado em 2024, mas o debate com a população local acontece desde o ano anterior, com a finalidade de ter garantias que mantivessem os moradores no território.

Projeto da Prefeitura – A parte do projeto que cabe a Prefeitura de João Pessoa prevê intervenções também nas comunidades Vila Nassau, XV de Novembro, Curtume, Frei Vital e Papelão. O projeto tem o objetivo de beneficiar mais de dois mil moradores carentes de infraestrutura básica da região. O planejamento da gestão municipal, dentro da perspectiva de manter a comunidade em seu local de origem, prevê alterações urbanísticas, ambientais, habitacionais e sociais.

Mensalmente são realizados ‘Plantões Sociais’ no bairro para ouvir as reivindicações, sugestões e críticas dos moradores. “A equipe geralmente é formada por um assistente social, um engenheiro, um arquiteto e membros da equipe de planejamento da Secretaria de Habitação Social. No total, aproximadamente, 15 pessoas compareceram para obter informações. Os questionamentos visam, basicamente esclarecer sobre a viabilidade, permanência ou realocação das residências e questões relativas à infraestrutura”, explicou Maidir Rocha, engenheira civil da Secretaria Municipal de Habitação Social (Semhab).

Segundo ela, várias sugestões foram encaminhadas pelos pescadores. “Em função da grande quantidade de embarcações na área e da atividade dos trabalhadores foram sugeridas a instalação de rampas para o embarque e desembarque das embarcações e atracadouros”, explicou.

Para o pescador Cosme de França, de 75 anos, morador do bairro há 45 anos, a construção de rampas e atracadouros vai facilitar o trabalho dos pescadores. “Quando eu vim morar no local haviam poucas casas próximas ao rio, em 1965 e vários locais onde os barcos grandes atracavam. Mas hoje só tem essa passarela que construí aqui perto da minha casa”, relembra.

Ele se refere a passarela de madeira ‘Território Ribeirinha’, usada para atracar barcos de pesca locais e de passeio, além de ponto de partida para a procissão fluvial pelo rio Sanhauá, que segue para a capela de Nossa Senhora da Conceição, realizada pelos moradores no mês de dezembro. É também local de visitação para o turismo de experimentação e usado pelos jovens para saltar no rio.

O aposentado Orlando Alves, de 85 anos, vive no Porto do Capim há 65 anos. “Comprei a casa por três contos. Ela caiu duas vezes, mas em 1991 construí de tijolos e ela não caiu mais. Nessa área aqui quando eu vim morar já tinha todos esses prédios antigos”, disse.

Orlando e seu filho, Cláudio Alves, 53 anos, aguardam com ansiedade as mudanças que serão realizadas com o projeto de reurbanização do Porto do Capim e a revitalização dos acessos ao Rio Sanhauá. Orlando ressalta a época em que os pescadores traziam os produtos da feira pelo rio para vender na comunidade. Já seu filho lembra da época em que tomava muito banho de rio na adolescência. “Vinha gente de outros bairros para tomar banho aqui, muita gente mesmo. Era muito bom”, complementa.